domingo, 30 de janeiro de 2011

O passarinho e a menina.



















Era uma vez um passarinho que um dia, enquanto procurava comida, descobriu uma linda árvore. Era frondosa com muitas folhinhas, umas a nascer e outras já adultas, de muitos tons de verde diferentes. Era espaçosa e fresquinha sem deixar de ser aconchegante e, além disso, tinha umas bagas sumarentas parecidas com as gomas coloridas de uma loja que ele tinha conhecido em tempos, numa cidade por onde tinha passado.

O passarinho começou, então, a ir todas as manhãs até àquela árvore onde descansava, se alimentava e cantava. Reparou, num desses dias que, atrás da árvore, havia uma casa e que um dos ramos ficava pertinho, quase encostado, de uma das janelas do segundo andar. Saltando de ramo em ramo, como se estivesse a saltar num trampolim, o passarinho chegou à janela. Ao espreitar para dentro da casa viu uma linda menina de trancinhas escuras sentada à frente de um piano. O passarinho cantou de alegria ao ouvir o som das teclas do piano. Cantou, cantou e em alguns minutos a menina estava à janela surpreendida pelo canto do pássaro. Ficou a ouvir aquela melodia diferente das dos outros passarinhos, enquanto ele trinava de alegria.
Ambos sentiram que tinham no outro companhia para cantar.
Daquele dia em diante o passarinho e a menina foram-se vendo todos os dias. O passarinho passava na árvore e mostrava os seus melhores encantos. A menina gostava muito de o ouvir. Ouvia-o cantar e falar do seu dia, dos hábitos, dos gostos, dos medos e dos sonhos, sabia onde ele estava, onde morava, onde o podia encontrar.
O passarinho vivia radiante por poder partilhar a sua vida com a menina. A menina por sua vez, gostava de estar com o passarinho mas não o dizia, adorava a sintonia que havia entre eles, os momentos em que conversavam e discutiam os seus sonhos e ideais mas pouco o demonstrava, isolando-se para não se deixar contagiar. Fazia por vezes, o passarinho sentir-se mal, era ele que a procurava, era ele que queria saber dela e que mudava o seu canto para agradar à menina, tentando manter a harmonia entre a melodia dos dois.
A menina nada investia no canto conjunto dos dois. Gostava muito de tocar enquanto o pássaro cantava mas jamais o dizia. Franzia o sobrolho, encolhia os ombros e não dizia nem uma palavra sobre como ele era importante para ela. Ele estava inseguro. Achava que outros pássaros cantariam melhor que ele e desvalorizava a sua prestação. Diminuía-se a cada dia que passava.

Um dia a menina foi convidada a tocar numas cidades que ficavam muito longe dali e, como ia ficar muito tempo longe, teve medo que o passarinho não conseguisse ficar sem cantar com alguém, se fosse embora e ela não o voltasse a ver. Chamou-o e deixou no ar a magia de como ele era importante para ela, disse-lhe que um dia o passarinho poderia ir com ela, experimentar cantar noutros sítios, onde não havia passarinhos como ele e que até poderiam fazer música, juntos. Queria que ele ficasse ali, pertinho dela, O passarinho aconchegou-se com as demonstrações carinhosas da menina, achando que seria daquele momento em diante que ela lhe daria o devido valor. A menina foi então na sua viagem e o passarinho ficou, desejando muito, muito, que a menina voltasse. Todos os dias ia até à sua árvore e recordava o semblante da menina sentada à frente do piano. As conversas, as partilhas e todas as idealizações que lhe enchiam o peito plumoso. Em breve chegaria o Outono e, depois, o Inverno e o passarinho teria de decidir o que era melhor para si. A menina não dava notícias e ele, aninhado no parapeito da janela, imaginava-a a tocar as teclas do seu piano, a aprender novas músicas e a preencher vivamente as cidades por onde passava. Ansiava que ela voltasse, lhe contasse as novidades, que finalmente pudessem, juntos, fazer música. Um dia o passarinho viu luz na janela da casa da menina e percebeu que ela tinha voltado, ficou um bocadinho triste por ela não ter dito nada mas desculpabilizou-a, como normalmente fazia quando ela o magoava. Bateu à janela e ficaram a conversar, o passarinho sentiu-se completo com a chegada da menina, viveu com emoção todas as novidades que a amiga tinha para lhe contar e cantaram juntos como ele tanto queria que acontecesse. Com o passar do tempo, o passarinho foi sentido a menina distante, ao mesmo tempo que lhe dizia que adorava a companhia dele, não o cuidava, nem se preocupava se ele não aparecesse. O passarinho foi entristecendo, sentia-se pouco especial, afinal de contas a menina de quem ele tanto gostava pouco queria saber dele, talvez ele não fosse um pássaro tão incomum, tão merecedor de atenção. Perdia a vontade de comer e por vezes tinha vontade de não mais ver a menina, idealizando que esta sentiria a sua falta. Mas logo essa vontade se extinguia com o medo de perceber que ela não viria atrás. Observando outros pássaros percebeu que todo o carinho que julgava existir entre ele e a menina não era assim tão acolhedor, sentia-se vazio, preso a uma menina que nem de perto nem de longe cuidava dele como os amigos são capazes de se cuidar. Percebeu que talvez devesse mostrar à amiga que não se sentia confortável. A menina desvalorizou, sentiu que o passarinho exagerava. O passarinho magoado referiu-lhe que se sentia pouco querido e avisou-a que talvez um dia se fosse embora de vez e a menina não mais o ouviria cantar. Magoado saiu de perto da menina. A menina sentiu falta do passarinho mas foi incapaz de o procurar, pensava que mais tarde ou mais cedo ele voltaria. Mas não voltou. O que a menina sentiu? Ninguém sabe. Mas o passarinho percebeu que merecia ser ouvido por quem desse mais valor ao seu gorjear.

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