segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Dois lados de uma mesma história.

ELE
Certo dia encontrei-A, estava sentada num muro do miradouro do monte com as pernas voltadas para Lisboa e os chinelos a seu lado, descalça balouçava as pernas como quem ganha coragem para se atirar para dentro da piscina. Pensei por momentos se o faria mas achei que era forte de mais para tamanhinha decisão.Sentei-me ao seu lado e sorri-lhe quando virou a cara na minha direcção mas não tive resposta, o que raramente acontecia.
Baixou os olhos e apercebi-me de que não deveria estar muito bem. Deixei-me ali, em silêncio, consumindo o tempo à velocidade possível no momento, sem antecipar o que quer que fosse.
Ela continuava de olhos cravados nos joelhos e neles navegavam mundos por entre toda a maresia que lhes cabia dentro.
De repente disse:

 Vou partir. Não mais voltarei.

Fiquei sem saber o que dizer. Mas que se passara agora de um momento para o outro?
Deixei-me com ar de espanto e curiosidade tentando assim pedir uma justificação.
Respirou fundo e justificou-se:

É uma decisão difícil, sabes? Não queria abandonar-te, nem tão pouco ao espaço que tenho em ti. Queria ficar aí e não sair mas parece que há pouco espaço para mim. Não queria deixar de receber a cor nos meus lábios lívidos de ti, nem deixar de sentir o teu cheiro, ainda que apenas em pequenas quantidades de cada vez.

Encolhi os ombros, como, percebo agora, sempre fiz.
Que poderia eu dizer-lhe? Que gostava dela e a queria aqui embora tivesse medo de me arrepender? De me prender? De não corresponder às expectativas?
Ainda hoje, não sei o que mais me transtornava e impedia que lhe tomasse a mão na minha.

Ela continuou:

 Preciso compreender qual a minha dimensão e densidade. Entendes?
Arrisco-me a perder-te para sempre mas a não me perder a mim na totalidade. Uma parte de mim pertence-te e está a desvanecer-se aos poucos porque não é alimentada. É como o jardineiro que possui um jardim que não cuida nem rega. Por vezes algumas bagas de chuva saciam-lhe a sede mas não lhe basta para crescer vigoroso, depois o jardineiro olha o jardim e diz às suas plantas:

"Não posso continuar convosco. Não crescem, não me fazem sentir com vontade de vos cuidar. Ocupam-me tempo e prendem-me: estão sempre a pedir-me água, que abra frechas por entre a folhagem alta para sentirem o calor do sol, que remexa na terra para oxigenar as vossas raízes."

E o jardineiro não entende que as suas plantas apenas lhe pedem os cuidados básicos de quem precisa de ser tratado para crescer e poderem fazer feliz o seu jardineiro. – Calou-se por instantes, os seus olhos, não eram mais uma maré cheia, mas nascentes de rios revoltosos que lhe escorriam pelo pescoço em direcção ao peito. Continuou:

Por isso vou embora.

Saltou do muro e após calçar os chinelos partiu. Despediu-se com os três beijos que nos uniam e não mais olhou para trás.
Eu fiquei com o olhar preso ao seu cabelo ondulante no meio das costas e ao seu corpo curvilíneo que se bamboleava carregadamente como que ao som de um requiem.

Não mais soube dela.

ELA
Certo dia encontrou-me, estava eu sentada no muro do miradouro do monte, olhei-o de soslaio, abanei as pernas como quem simula ter vontade de se atirar para a imensidão da cidade.
Talvez ele o tenha pensado e tenha tido medo mas, como tantas outras vezes não se manifestou. Sentou-se ao meu lado e ficou ali.
Olhei-o e sorriu-me.
Desviei dele a cara mais seca que tinha, queria que sentisse que não suportava mais este sufoco, esta vontade de o ter e não o ter.
Tinha vontade de lhe bater, de lhe esmurrar o peito e ao mesmo tempo só queria que me tomasse nos seus braços.
Os meus olhos inundaram-se de uma mistura de amor, raiva e água.
Sabia que tinha de tomar uma posição e que devia mostrar-lhe que não estaria aqui para sempre, apesar de tudo o que sentia.
Disse-lhe:

 Vou partir. Não mais voltarei.


Ele ficou calado, com aquele ar de quem espera uma resposta, fiquei indecisa.
Apesar da vontade que tinha de me posicionar, aquele ar de curiosidade que se reflectia no seu rosto dava-me vontade de esperar que me implorasse uma explicação, pois bastava já de tentar adivinhar os seus pensamentos e sentimentos para conseguir comunicar.
Continuei. Falei-lhe de como era importante para mim, de como queria pertencer-lhe e que me pertencesse mais.
De como o desejava.
Não me disse nada.
Ficou com aquela cara imperceptível e ausente de sentimentos. Uma tristeza cavara-se no me peito e as lágrimas corriam a formar nele um lago.
Parecia não sentir nada por mim e aqui estava eu, na incógnita de ser ou não gostada.
Milhões de pensamentos surgiam em catadupa, desfaziam-me em pedaços inutilizáveis. Como podia ele ser tão contraditório nos seus aparentes sentimentos? Falei-lhe da importância que tenho e da necessidade de a compreender.
Usei uma metáfora de um jardineiro que quer as flores bonitas do jardim mas que não as cuida e que, mantendo-as presas a si sente no entanto o medo de ser por elas pressionado. Tentei mostrar-lhe que as barreiras que havíamos colocado eram produto dos nossos medos… Em vão.
As lágrimas escorriam-me até ao peito com maior intensidade.
Esperei um pouco e saltei do muro.
Beijei-o na cara, esperando alguma movimentação da sua parte e arrisquei num terceiro beijo, que se apresentou sem retorno.
Desci a calçada do monte esperando que, como nos filmes, corresse atrás de mim.
Chorava e sem olhar para trás fui andando pesadamente como quem vem de um funeral.
Sentia o meu corpo sem graça e nele guardava reservas de culpa do que acontecia.

Voltei a vê-lo.
Espreitava-o e ansiava que desse sinal de si.
Mas só o dava em mim.
Dentro.

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